Mente Dispersa

Fragmentos de ideias. Paixões.
Curiosidades ou banalidades. Sem pretensões.


terça-feira, dezembro 14, 2004

Memórias Perdidas: A solidão do aventuroso.


Perdido na fronteira dos sonhos encontra-se um mundo povoado por criaturas improváveis e entidades fabulosas, tão antigas quanto a imaginação do Homem. Um oceano de fantasia recortado por continentes onde a Humanidade vive por entre reinos, mitos e lendas, bestas e deuses. E algures nesse mundo, no topo de uma torre de cristal, assumo-me como um guardião que contempla as pequenas estórias que decorrem para lá da reclusão do meu exílio, onde anoto, escrevo e completo a Narração das Memórias Perdidas.



A Humanidade sempre floresceu no mais pequeno continente deste mundo; mas não em toda a vastidão dessa massa de terra. As características amenas das zonas costeiras contrastam com as condições inóspitas do interior, onde a Natureza nunca foi parca na forma de exibir o seu poder. Montanhas imensas, longos rios, florestas densas e outros acidentes geográficos sempre mantiveram os Homens restringidos ao conforto das terras temperadas pelo mar que rodeia a ilha-continente. No interior, uma cordilheira conhecida como a "Espinha" rasga violentamente a terra, da qual se erguem montanhas e rochedos afiados e salpicados pelo branco da neve, desde das regiões sententrionais até às terras quentes do sul do continente. E na face ocidental da cadeia montanhosa extende-se uma vasta planície, a qual os seus habitantes sempre a designaram por Planície Sem Fim, e que marca a fronteira da civilização e de tudo o que o Homem conhece. Do último marco dos reinos limítrofes até às encostas agrestes da "Espinha", são necessários longos dias de caminhada, por entre o manto de feno silvestre, dourado pelo Sol, calcorreando trilhos que serpenteiam por entre pequenas elevações e manchas florestais e pequenos pomares. Por aqui também vive o Homem, espalhado pela planície em número reduzido, de cultura e ritual animista, contemplando ao longe o contorno agreste da cordilheira, que sempre amedrontou o homem educado e citadino do ocidente.



Nem sempre o Sol estende o seu calor pela planície. Nos meses frios, a natureza fenece e as cores vivas esbatem-se em tons de cinzento e castanho. E o tempo transforma-se, fazendo tombar uma cortina cerrada de aguaceiro, pintando um quadro soturno. E é num descampado que encontramos uma figura desabrigada caminhando a passo certo, mas conformado com as condições inóspitas do tempo. A chuva cai desalmadamente até que, tal como havia começado, termina abruptamente, e uma nuvem caridosa afasta-se para deixar passar uma nesga de luz. Raios luminosos tombam sobre esta figura, um homem que decide parar e sentar-se sobre uma rocha para se aquecer. Ao seu lado pousa o equipamento que carregou, e estende a capa que o cobriu da chuva. Sobre as roupas de linho veste uma armadura de couro entrelaçada cujas marcas e vincos são testemunhas da sua finalidade: aparar golpes de lâmina. É um aventureiro como muitos que vagueiam por estas terras em busca de riquezas, fama e glória. Mas algo distingue esta personagem dos outros espadachins, o modo calmo de ser e o olhar melancôlico que carrega na face.



O brilho do ouro e as canções escritas pelos bardos das grandes cidades para glorificar os feitos de heróis nunca o cativaram. Ele sempre procurou a emoção, e aventurou-se no desconhecido onde não sente medo, sendo hábil na espada e destemido nos actos, seja enfrentanto o negrume de uma masmorra abandonada ou confrontanto um adversário aterrador. E maior prazer não achou aquele que não fosse a própria companhia nas longas caminhadas, em que explora a natureza e onde caça e dorme. Não se importa com o destino que escolheu, e os conhecimentos que adquiriu em criança permitem-lhe ver o verdadeiro valor dos objectos que os outros aventureiros ignoram nas suas demandas. São muitos os sábios das terras ocidentais que recorrem ao jovem para recuperar textos, mapas, velhas relíquias e outros artigos profanos das criptas e ruínas de antigas civilizações. É uma vida preenchida e rica em experiências que completa o coração de qualquer aventuroso, mas neste dia uma disposição triste abateu-se sobre o jovem.



Sente a falta de algo, como se estivesse predestinado a isso e não soubesse do que se trata. Como um barco perdido numa tempestade. Mas ele também já se perdera na imensidão deste território e sempre encontrou o caminho para a calmaria. Seriam as saudades dos tempos em que habitou por entre os homens do ocidente e se acostumou ao ambiente movimentado da cidade e de suas pessoas, das recordações que guarda da Academia de Sábios e da família que o havia adoptado? O jovem vira-se para Oeste e acredita vislumbrar ao longe os limites do Reino de Ephidor que segue ao longo do Rio Eldor, no qual numa pequena curva penetra para o interior da pequena nação, onde mais à frente está a cidade dos Homens, de mesmo nome do rio, e a mais próxima da Planície Sem Fim. O herói recorda-se do movimento frenético no enorme porto fluvial e dos barcos que navegavam a montante do rio, para nordeste atravessando a planície Sem Fim até às feitorias nas terra dos Clãs, ou os que navegavam para jusante levando carga e matéria prima para a capital de Ephidor, e até mesmo para além, para os reinos costeiros. Mas as memórias de Phir, a capital, trazem ao de cima os motivos porque o jovem se afastou do mundo dos Homens: as intrigas palacianas, as rivalidades entre duques e príncipes e principalmente, as injustiças cometidas sobre os mais fracos pelos mais poderosos e de quem deveria ter o ónus de os proteger. E no seio de tanta gente, sempre se sentia sozinho e nada existia que o prendesse naquele mundo



O herói recua mais nas suas memórias e, desta vez, vira o olhar para nordeste na direcção de uns planaltos onde passou a infância. As recordações são esbatidas, sobre momentos bucólicos da vida de pastores e camponeses livres, e de um tio, ou pelo menos era assim que o lembrava, esse alguém que era um grande caçador e caminhante, e que num dia marcante para o nosso aventureiro, o levou para observar ao longe uma criatura tão imponente como um leão e magnífica como uma águia; um grifo. E o caçador afirmou, "que não existe nada mais reconfortante do que apreciar a natureza tal como ela é". Mas o aventureiro rapidamente baixa os olhos, nada daquilo já perdura, nem pastores, nem caçadores e muito menos os grifos. Memórias mais recentes e dolorosas são afastadas, quando ele reflecte no que seriam as terras que nunca havia visitado. A norte habitam homens fortes e orgulhosos talhados pelo clima frio e a quem o Homem civilizado os rotulou de bárbaros. Mais distantes ficam as cidades dos sulistas imigrados de um continente quente, com os palácios e as suas torres e minaretes a erguerem-se sobre o manto branco das casas. Ou então mais a sudeste, para lá de uma muralha imperial tão antiga quanto o mais velho reino ocidental, onde se escondem em templos e cidades magníficas, os Antigos, povo que colonizou os povos do Ocidente.



Finalmente restou ao jovem contemplar a direcção que lhe restava: o leste. Acreditava que era ali que se encontrava o seu maior apelo, para além da cordilheira e das suas montanhas majestosas e imponentes, que se alinham numa fileira de um exército de gigantes prontos para varrer a terra até ao mar ocidental. Soldados de rocha guardando atrás de si terras desconhecidas no qual os registos da civilização não anotavam humano algum que as tivesse atravessado. Mas essa crónicas contavam estórias sobre gnomos e fadas, gigantes e animais falantes, e até mesmo dragões; do solo pisado por deuses e semi-deuses e as suas cortes de criaturas mitológicas; do lar de seres arcanos e entidades divinas tão antigas como o continente que pisam; e cidades de cristal e povos iluminados pelo seu conhecimento e cultura. E tudo isto cativava e partia o coração do jovem aventureiro. Um empreendimento destes seria muito exigente e, caso conseguisse atravessar a Espinha, não haveria garantias de saber o caminho de volta, ou até mesmo, se desejaria retornar. Teria de abandonar tudo o que lhe era familiar, e demandar sozinho por entre as escarpas rasgadas da cordilheira. E essa é melancolia que sente quando reflecte neste apelo. Que um dia se aventurará sozinho em busca do seu destino.



Os pensamentos do aventureiros são interrompidos quando a breve pausa iluminada pelos raios de sol termina após uma nuvem escura cobrir o círculo dourado no céu, que recupera rapidamente os tons de cinzento. "Uma borrasca se aproxima.." reflecte o jovem agora preocupado em encontrar um abrigo, ainda para mais que voltou a sentir dor numa ferida aberta no antebraço direito, golpeado por uma armadilha dias antes quando se aventurou na tumba de um velho feiticeiro. "Espero que não degenere numa maleita.." reflectiu. Afinal tratava-se do seu braço de armas, e apesar de também ser hábil com o braço esquerdo no manejo da lâmina, não queria ver-se em desvantagem num combate que pudesse ocorrer proximamente. "Só espero que não tenha sido a caveira decrépita daquele feiticeiro quem parecia rir-se por último", sorriu o aventureiro! Ele volta a virar-se para Oeste e inicia uma nova caminhada por entre os planaltos ephidorianos. "Só me resta alcançar a segurança dos limites da floresta de Eldor, lá encontrarei velhos amigos" referindo-se aos lenhadores e caçadores que vivem em aldeias e abrigos entre a floresta e a fronteira.



Horas depois de passar o marco fronteiriço, e quando a noite se abatia sobre todo o continente, uma chuva cerrada cai impetuosamente e fustiga o aventureiro que se apressa a procurar um abrigo; encontra-se encharcado e a sua capa já de nada serve para proteção, e a floresta ainda está a uma hora de caminhada. Subitamente, um cintilar de uma luz ao longe prende-lhe a atenção. Ele pára e tenta percrustar o horizonte por entre o gotejar violento da tempestade. Volta a vislumbar uma luz trémula e, num ápice, abandona a trilha caminhando nessa direcção, e à medida que se aproxima, a sombra perfilada de uma casa desenha-se sob a chuva. E de uma das janelas ainda é possível ver a luz trémula que se apaga subitamente. O jovem pára.. Ele tomou conhecimento da trilha pelos seus amigos caçadores, e não se recorda de alguma vez eles lhe terem referido este casarão, sombrio e aparentemente abandonado não fosse pela chama trémula de uma vela ou lanterna. A chuva cerra-se cada vez mais, e o jovem encharcado e cujo os olhos brilham de preocupação, decide procurar abrigo na mansão. Instintivamente, leva a sua mão esquerda a agarrar o punho da sua espada...

4 Comments:

Blogger Sandra B. N. said...

Foste tu que escreveste??? Se sim, dou-te os meus mais sinceros parabéns!!

10:09 da manhã  
Blogger Mané said...

...estou...
Sem palavras!

4:51 da tarde  
Blogger Filipe Veiga said...

É um escape à realidade! E o texto é amador. Mas não me importo! Afinal o meu blog é "sem pretensões"..

1:04 da manhã  
Blogger Sandra B. N. said...

Amador!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Compara isto à "profissional" Margarida Rebelo Pinto e tens aqui material digno de prémio Nobel!!!!
Estou a falar a sério: dedica-te a isto, é publicável! Só editoras pimbas não pegavam num livro assim!!
Juro que estou em pulgas para ler o resto da história. :) (ok, ok, nada de pressões ;)

11:28 da manhã  

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