Mente Dispersa

Fragmentos de ideias. Paixões.
Curiosidades ou banalidades. Sem pretensões.


quinta-feira, março 16, 2006

Vivo e livre!

Vivo!

Sim, eu estou vivo, alive, vivant, lebendig, VIVO! Não, não se trata de propaganda (tradução para o português de Portugal: propaganda = publicidade) a operadores de telemóveis (tradução para o português do Brasil: telemóveis = celulares). Refiro-me sim à minha condição de alguém que sobreviveu a mais de duas semanas numa terra distante repleta de belezas e horrores.

Já dias antes de ter embarcado no avião, a minha vida tomava um rumo sem volta. Faz um mês que perdi a minha avó, um duro golpe para alguém que nunca sentira a perda de uma pessoa amada. Mas já recuperei, pois sei muito bem o que ela iria querer que eu me erguesse e continuasse o meu caminho. Também me afastei da rotina do meu trabalho de mais de 2 anos, deixando para trás um investimento modesto na minha carreira. Basicamente recuei um passo, para no futuro dar dois passos adiante. Enfim, foi daí que ouvi muita descrença na minha aventura… mas isso é outra história que não é mais que uma recordação.

Dez dias depois, com várias despedidas e preparativos pelo meio, larguei amarras e segui para o Novo Mundo. Uma escala por Madrid e um encontro casual com uma minha conterrânea também ela com destino ao Brasil num intercâmbio estudantil. Ela foi para bem longe do Rio, mas sem dúvida, para um lugar que ela com certeza nunca esquecerá! Boa sorte, amiga!

A chegada ao Rio não foi nenhuma novidade. Mal entrei no terminal fui acossado por uma onda de calor que me fez parecer a minha bagagem bem mais pesada e cansativa de carregar! Esse calor sufocante e húmido que nos faz suar as estopinhas! Estava de volta ao Rio! E a primeira coisa que senti foi o cheiro de terra do Rio! Um cheiro intenso ampliado pelo calor, cheiro esse que não se encontra em nenhuma cidade que eu conheça em Portugal. E os sons… o sotaque que já me parecia distante invadiu os meus ouvidos! Ah esse sotaque! Passara um ano e agora ouvia eu o som adocicado do português abaixo dos trópicos!

E a primeira semana (em pleno Carnaval) passou muito depressa. Foi apenas a adaptação ao ritmo de vida, ao fuso horário, e a tudo aquilo a que eu tinha vivido nas férias do ano passado. Mas novamente senti aquela resistência dentro de mim, como se o meu lado europeu lutasse contra a descontracção e o relaxamento que o calor faz libertar de dentro de uma pessoa. É um confronto constante entre a minha personalidade tipicamente europeia (fechada e reservada) e a vontade de ser como um deles. Por vezes dou comigo a sentir a música e o ritmo brasileiro de uma forma que nunca faria em Portugal. Acho que é impossível lutar contra isso, o ambiente rico que nos rodeia é muito forte! Tudo é tropicaliente!

A segunda semana! O choque e o horror! Foi a semana em que comecei a descer do paraíso que tem como nome Petrópolis para a cidade infernal de prazeres e horrores! Fui acompanhado nos primeiros dias, mas logo comecei a viajar sozinho para a faculdade aonde faço o mestrado em Computação. Essa viagem é sem dúvida, “a viagem”. Só assim pude perceber realmente as disparidades que existem no Brasil, e o que é pobreza e riqueza extremas. Desde atravessar favelas com os seus característicos mosaicos de tijolos e paredes incompletas, até aos arranha-céus do centro financeiro do Rio, passando pelos bairros de classe média e aos hotéis de luxo na zona sul, e observando os farrapos humanos que se arrastam no chão por entre homens e mulheres apressados numa multidão efervescente. Atravessar uma passadeira numa dessas avenidas do centro é uma experiência impressionante, quase como tentar nadar contra uma maré de pessoas!

E o trânsito do Rio? Caótico! Infernal! É uma massa de carros, ônibus, táxis e carrinhas, tentando todos chegar mais cedo a qualquer lugar! E eu que pensava que os portugueses eram loucos na estrada… pois bem, agora considero uma nova categoria para os condutores, a de psicopatas! Sim, nem pensar em pôr o pé na passadeira (zebra) porque os carros simplesmente… não param! E as pessoas também são loucas, atravessam as ruas sem qualquer preocupação pela sua própria vida!

Se o trânsito do Rio conduz o estrangeiro a uma espécie de extâse, nada pode preparar uma pessoa a atravessar pela primeira vez uma favela (se bem que de ônibus, a pé nem pensar!). Não que eu tivesse passado pelo meio de uma favela ou morro, mas os limites desses lugares já chegam para deixar uma pessoa cagada de medo. Na volta tenho sempre o prazer de sentir a adrenalina durante 5 minutos, na passagem pela parte baixa do morro da Providência. Desde 5 minutos há um minuto pelo qual se passe em frente de uma laje que marca o inicio da subida do morro. É dessa laje que costumam estar olheiros (vigias) e com sorte até se podem ver algumas pessoas armadas… Não que eu ainda não tivesse essa sorte de ver bandidos armados, mas já deu para perceber o sentimento de pessoas que vivem todos os dias com a possibilidade de a qualquer momento haver fogo cruzado. Nessa semana não vi criminosos, mas sim soldados equipados até aos dentes cercando o morro. Não sei porque razão, mas não me senti nem um pouco mais descansado!

E essa não foi a única vez que presenciei forças militares em plena operação de guerra. Algumas barricadas foram montadas tudo por causa de umas armas roubadas de um armazém e escondidas nalguma favela. Enfim, foi a primeira vez que vi na rua soldados armados com equipamento pesado, preparados para combater.

Mas nem tudo é assim tão bélico no meu dia-a-dia… o mestrado tem sido melhor do que eu esperava. Nunca pensei em gostar tanto em voltar a um meio académico. Sem dúvida que os anos no mercado de trabalho me trouxeram uma outra maturidade para enfrentar esse novo desafio. Sinto-me preparado para trabalhar e dar o melhor de mim! E até que começou bem! Com uma habitual anedota de português, contada à turma por um conceituado professor da faculdade, a explicar a ausência da Inteligência Artificial do programa de mestrado, já que o Brasil era dotadíssimo de inteligência natural! E que até veio de Portugal um cientista dizer que esse país era líder em Inteligência Artificial! Foi a risota geral! Pois já se sabe que a inteligência dos portugueses é um dos atributos mais gozados nas piadas de português! Mas a verdadeira piada veio a seguir! Muito timidamente um dos professores presentes na aula falou que “até que temos um estudante vindo de Portugal”! Hahahahaha! Foi muito engraçado a ver o vermelho-rubro de vergonha do contador de piadas! Bem feito! Quem se riu por ultimo fui eu!

E agora estou no meio da terceira semana. Já começo a pegar o jeito, a conhecer uma cidade de dimensões gigantescas, a começar a orientar e aprender a rotina e a esperteza necessária para sobreviver! Como eu odeio e amo esta cidade. Como os brasileiros me deixam irritado e ao mesmo tempo maravilhado! Tudo é tão diferente e tão familiar! Como eu sinto falta dos luxos do 1º mundo, e agora vou aprendendo a gostar dos luxos de um país tropical.

É uma paixão que se vai vivendo dia após dia, com ódios e amores de estimação, e da qual estou a sentir no meu coração uma óptima sensação de LIBERDADE!

Estou certo que jamais me esquecerei destes momentos e das pessoas que os compõem.